Reflexões de um almoço na terça-feira

Edmilson junior
4 min readMar 23, 2023

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Foto de Celso Pupo.

12:00.

Coloquei o notebook em stand by, levantei-me, desconectei tudo o que estava na tomada e aproveitei para levar o ventilador pra sala. Desbloqueei o celular, abri no Youtube e cliquei no programa esportivo mais recente do meu time. Coloquei o celular sobre a pia, em um local que não recebesse respingos de água enquanto eu preparava a louça para o almoço. Pus a panela do feijão para esquentar em fogo baixo e separei as fatias de peito de frango para aquecer na airfryer. Como sempre, deixei o arroz de lado, ele já estava fora da geladeira. E, pra ser sincero, quem esquenta arroz?

Com tudo pronto, coloquei pequenas porções de feijão no prato, depois o arroz. Nunca o contrário, no máximo, um do lado do outro, mas sempre nessa ordem. Coloquei a pouca porção de frango que restava (eu já havia beliscado o prato no início da manhã), peguei meus talheres preferidos e fui em direção ao sofá, onde eu já tinha posicionado o ventilador, estrategicamente, para me refrescar, mas sem resfriar o almoço. Antes da primeira garfada, retornei ao celular e espelhei o programa esportivo para a televisão. Depois da demora típica das TVs da primeira geração smart, o vídeo abriu e eu busquei o controle para aumentar o volume. Comecei a comer e percebi que tudo estava um tanto quanto insosso. Fui à cozinha, peguei uma pequenina porção de sal e distribuí em todo o prato. “Agora sim”, pensei, mas ao mesmo tempo também pensava: “Mas, minha família tem histórico de hipertensão, salgar as coisas não pode ser um hábito, se não, fodeu”. Um tópico do programa esportivo me chamou atenção e eu passei a me preocupar sobre “quando” ou “se” o clube de futebol para qual torço receberia os 14 milhões de uma construtora por uma antiga quebra de contato. “Esse dinheiro seria ótimo para buscar reforços e subirmos de divisão”. Pensar sobre como resolver os problemas do elenco de futebol do meu time, sobre a gestão de marketing, bem como o preço dos ingressos e o esquema tático que o técnico deveria adotar parecem me distrair dos problemas que são mais palpáveis a mim.

Como em outras épocas, o futebol tem sido um refúgio. Lembro de quando, na adolescência, eu ia pra jogos sozinho e a pé, andava cerca de uns 30 minutos para chegar ao estádio. Lembro também que esses momentos eram sempre de reflexão e de meditação (ainda que na época eu olhasse pra tudo isso como “frescura”). Aquele time de 2012 era fenomenal e com aquele programa social do governo, eu não perdia um jogo sequer. Era preciso reservar por ligação os ingressos para as partidas e, geralmente, eles esgotavam rápido. Sempre abria as 9:00 da manhã, então, eu pedia ao professor para ir ao banheiro e ficava tentando ligar por alguns bons minutos até o sistema funcionar.

Ultimamente tem se popularizado uma frase nas bolhas das redes sociais das diversas torcidas: “Não é só futebol”. Essa frase é como uma casa de espelhos, tem várias perspectivas, diversos lados, reflexos de muitos tamanhos e formas. A que eu ultimamente tenho pensado mais é sobre o fato de todo o espetáculo em torno desse esporte funcionar como uma válvula de espace pra tanta gente. Milhares de pessoas vão ao estádio, a um bar ou ligam a TV de casa pra assistir o futebol, ver os gols, o clube do coração, os esquemas táticos, a habilidade de um jogador específico, a partida eletrizante entre dois bons times, mas, fundamentalmente, buscam no futebol uma distração. 90 minutos + acréscimos de apego a sentimentos tão intensos quanto fugazes, tão táteis quanto voláteis. Se desmancham no ar ao fim da partida, no caminho pra casa, a pé ou de ônibus. Por mais que se busque o que foi sentido na partida, tudo jaz apenas naqueles locais da memória que nos fazem entrar em nostalgia e, claro, rememorar até pode ser bom, mas não é a mesma coisa e também não possui o poder de nos conceder a mesma embriaguez do vivido. Pelo contrário, nesse sentido, o rememorar é tão sóbrio que costuma nos expulsar de nosso inconsciente e nos jogar de volta para a realidade.

12:30.

Eu havia almoçado, clicado em “almoçar” na agenda do celular para sinalizar uma tarefa cumprida e tinha refletido sobre tudo isso e mais um pouco, mas tinha algo de errado no ar, literalmente. Algo cheirava mal e eu demorei pra reagir até que lembrei que há alguns dias atrás eu tinha esquecido a água do café no fogo. Levantei do sofá confuso e apontei os olhos para o fogão na cozinha. A panela de feijão continuara no fogo todo esse tempo e o “algo estranho no ar” era o pouco que restara do feijão que havia queimado. Desliguei o fogo, esperei tudo esfriar e joguei aquilo no lixo pensando que esses lapsos de atenção têm acontecido frequentemente nas últimas semanas e isso pode estar ligado, na pior das hipóteses, ao histórico de Alzheimer da minha família ou, na melhor das hipóteses, ao fato de que eu posso não estar lidando tão bem com os estresses da pós-graduação quanto eu acreditava estar.

13:00, passei o café e me dirigi ao e-reader para adiantar a leitura da disciplina da semana que vem planejando não me atrasar para a aula da noite.

Talvez não tenha funcionado, ainda estou escrevendo 20 minutos antes da hora que planejei sair pra chegar cedo. Pelo menos, isso. Então, talvez eu chegue na hora.

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