Driblando as catimbas — este texto não é sobre futebol

Edmilson junior
3 min readMar 19, 2023

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Brasil 1 x 0 Turquia. Denilson marcado por 4 jogadores adversários.

Creio que a habilidade de se escrever o que não se consegue falar é proveniente de uma incapacidade nossa de lidar com os problemas e colocar neles um ponto final, ou ao menos algumas reticências para continuar a desdobrá-los depois.

Fruto de uma ansiedade?

Talvez.

A cabeça borbulha, as atividades do dia são colocadas em segundo plano diante do emaranhado de pensamentos, a maioria negativos, acerca do problema. Se você espera a resposta de algo, aguarda atenciosamente cada segundo, quase como se o mundo girasse eu torno de você, ou como se essa resposta fosse aquela bola enfiada em profundidade, cara a cara com o goleiro, e você fosse o camisa 9, pronto pra decidir. Às vezes esse passe não vem do jeito que você queria, mas e aí, reclama com quem? Apesar de (quase sempre) você contar com uma torcida apaixonada que te incentiva os 90 minutos, você também exerce todas as funções, de goleiro a centroavante. Além de se desdobrar em 11, enfrenta o time adversário e as catimbas usadas para te sabotar em campo. O gramado alto e fora dos padrões FIFA de Futebol, os buracos cavados, as poças de lama estranhamente presentes num dia ensolarado e aquela barra por onde você tem que fazer a bola passar que parece 10 vezes menor que a sua.

Pra piorar, sempre que o jogo esquenta, o gandula te devolve uma bola murcha e o goleiro adversário cai, fazendo cera, como se estivesse tendo um mal súbito. Às vezes a gente chega a pensar que as habilidades de Pelé e Garrincha numa só pessoa não seriam suficientes pra superar todos esses obstáculos, talvez fosse preciso a malandragem e a sagacidade do hermano Dieguito Maradona pra pôr a bola, carinhosamente (e com as mãos), no fundo da rede adversária.

Ética? Às vezes parece que é só uma palavrinha de origem grega que objetiva regular as suas ações, te calçar chuteiras de chumbo enquanto os adversários usam a moderna Nike Zoom Mercurial Superfly 9 Elite do Cristiano Ronaldo. Acho que é no momento em que essa reflexão sobre o abandono da ética surge que devemos voltar os ouvidos para a torcida, aquela multidão que é possível contar nos dedos das mãos, que (incrivelmente) abafa a pressão e os insultos da torcida adversária, que ilumina o caminho do gol ao ascender o flash daquele smartphone solitário no pequeno espaço do estádio destinado àqueles que torcem por nós.

Sujo de lama, uniforme em farrapos, câimbra, com contusões (em decorrência das entradas violentas que o juiz fingiu que não viu) você se levanta, põe a bola no chão, espera o apito e parte em direção a meta adversária fazendo fila mesmo quando desligam os refletores do estádio. Dribla os carrinhos, resiste aos tostões e puxões de camisa, deixa o último zagueiro para trás e dá de cara com uma muralha com a envergadura do Manuel Nauer. Mas, com tranquilidade, categoria e uma certa leveza, seguindo o feixe de luz emitido lá da arquibancada, você põe a bola pra dormir no fundo do gol. GOL! A multidão de alguns poucos estoura como um vulcão. O grito de vitória é ensurdecedor. Para melhorar, no jornal esportivo da segunda, como venceu apesar de todas as catimbas e armações, você se assiste em tons de dourado, vintage, porque foi heroico e não sucumbiu ao “just do it” que usa as cabeças alheias como degraus. Creio que assim seja possível dormir tranquilo e sabendo que o cheiro de Lavanda no travesseiro não foi extraído da lágrima de alguém.

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